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Queridos Finalistas,
1. Pelas indicações que me chegaram vindas da vossa parte, sei que esperais de mim, hoje, uma mensagem de esperança, nesta nova etapa da vida, em que, com a preparação que recebestes, ides enfrentar um futuro carregado de incertezas, mas também rico em desafios de criatividade e generosidade. A esperança brota mais da generosidade do coração do que da convergência de condições tecnicamente favoráveis.
A Igreja tem uma mensagem para vós, que quando é acolhida pode suscitar a esperança. A Igreja é, por natureza, mensagem: o próprio Deus é mensagem, porque se nos dá a conhecer e inter-age connosco através da Sua Palavra. Ao longo de dois mil anos, a Igreja não se cansa de proclamar essa mensagem, sobre Jesus Cristo, sobre a perspectiva recriada de uma humanidade nova, sobre os desafios da esperança na edificação de uma sociedade mais justa e fraterna. A palavra da Igreja suscita dinamismos, abre horizontes de renovação, propõe ideais. Mas é tantas vezes ineficaz porque não é acolhida. É quando os próprios cristãos, no dinamismo da sua vida, se tornam mensagem, que a boa-notícia do Evangelho se torna transformadora.
O Apóstolo Paulo, o incansável anunciador da mensagem cristã, tem consciência disso: se os cristãos, na sua renovação interior, não se tornarem mensagem, a palavra da Igreja pode ser estéril. Ouvimos um trecho da sua primeira Carta aos Coríntios: “A nossa carta sois vós mesmos, carta escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens. É manifesto que vós sois uma carta de Cristo, confiada ao nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne que são os vossos corações”.
Queridos finalistas! Como eu desejaria que vós mesmos, com o ideal dos vossos corações, com a certeza da esperança de que é possível mudar o mundo, fosseis essa mensagem viva que a Igreja dirige à sociedade do nosso tempo. Haveis de aprofundar e pôr a render a vossa preparação técnica, numa competência generosa e criativa. Mas só o ideal dos vossos corações será o anúncio vivo da esperança.
2. A recente Canonização de Nuno Alvares Pereira, Condestável de Portugal, apresenta-no-lo como estímulo e modelo. Foi um cristão que encontrou na fé a luz e a força para exercer as altas funções políticas, militares e sociais de que foi investido. Ressalta do conjunto da sua vida um projecto grandioso para Portugal. Era complexa a situação da península ibérica na segunda metade do século XIV. Ocupada em grande parte, durante vários séculos, pelo Islão, que ainda então estava presente em Córdoba, Portugal nascera como identidade nacional do ideal da reconquista cristã. Defender essa identidade nacional, era fruto, mais do que de um nacionalismo localizado, da consciência da possível missão de Portugal no mundo, levando a visão cristã da vida e da história o mais longe possível, como fermento de uma humanidade renovada. O ideal da cavalaria ganhou nele a dimensão da universalidade da missão, da utopia cristã. Acreditava profundamente que, através dos cristãos, Deus constrói connosco, a nossa história. Mesmo no campo de batalha, a oração fazia parte da sua estratégia, sobretudo a vivência da Eucaristia e o amor a Nossa Senhora.
Foi preciso pegar em armas para defender a independência e esse projecto grandioso para Portugal. Mas mesmo na crueza das batalhas procurou sempre mitigar os horrores da guerra, evitando e punindo abusos flagrantes dos seus soldados, preocupando-se com a sorte das populações, sobretudo das vencidas, testemunhando pelo amor fraterno aquilo que a guerra pode negar, a dignidade da pessoa humana, a salvaguarda da justiça, na atenção fraterna aos que mais precisavam. No fim dos seus dias, percebeu que a entrega de tudo à glória de Deus e aos mais pobres, era a mensagem que resumia toda a sua vida e havia de ficar para a posteridade. São Nuno de Santa Maria continua essa carta viva, dirigida a todos nós que, em circunstâncias históricas tão diferentes, queremos construir uma sociedade renovada neste Portugal que continuamos a amar.
3. Para a vossa vida ser mensagem, tendes de enfrentar o mundo com fé. Esta é o único fundamento da esperança. Como São Nuno, acreditai que Deus ama a cidade, que convosco é força decisiva de um mundo novo. Não vos envergonheis de Jesus Cristo. Nas vossas comunidades e mesmo em grupos informais, habituai-vos a reflectir a realidade com a força e a luz da fé. Esta época de crise faz-nos perceber que, sem a grandeza e a generosidade do espírito do Evangelho, não haverá soluções válidas e duradoiras. E não penseis que estou a afirmar que a fé deve substituir a competência. Esta deve ser posta ao serviço de ideais generosos e grandiosos, para Portugal e para o mundo.
E digo para Portugal e para o mundo, porque hoje, em época de globalização, um projecto grandioso para Portugal não é desligável da sua missão no mundo. A pequenez geográfica do nosso território não pode ser a medida do nosso contributo. Foi essa a visão rasgada de São Nuno, foi experiência grandiosa da nossa história, pode ser página gloriosa no futuro que se anuncia. Mas só será assim, se estivermos na comunidade internacional, na Europa e no mundo, não à procura de lucros e na defesa de interesses materiais, mas com a perspectiva grandiosa de humanização, no desejo utópico de querer fazer de toda a humanidade uma grande família humana. Sede generosos e criativos, mas acreditai que o mundo só se salvará com a força que lhe vem de Deus.
À imitação de São Nuno, invocai Maria, Padroeira de Portugal. Ninguém como ela acreditou que, na sua humildade, era possível transformar o mundo, fazendo da sua vida missão. Sede para esta sociedade, tão marcada por egoísmos e por projectos sem ideal, uma carta escrita, não com tinta, mas com o sangue de uma vida entregue, e não haverá crise que vos resista.
O desafio do Advento é o de sermos capazes de reduzir tudo o que esperamos e desejamos, ao encontro com quem esperamos e desejamos. Encontremo-l’O, encontremo-nos mais profundamente uns aos outros, e estaremos a purificar a esperança.
4. Queridos Ordinandos! Estais aqui porque o Senhor veio ao vosso encontro, chamando-vos, e vós aceitastes o desafio desse encontro, dizendo sim ao chamamento. Esse desejo de encontro convosco é, da parte do Senhor, válido para a eternidade. Esse é o verdadeiro fundamento da nossa esperança de encontrarmos o Senhor, na certeza de que Ele vem continuamente ao nosso encontro e o deseja ardentemente. A nossa fidelidade consiste em querermos também responder a essa vontade de Deus, em Jesus Cristo.
O ministério a que sois chamados será a mais concreta e objectiva resposta da vossa fidelidade. Hoje, sois consagrados para o ministério dos diáconos, em que o anúncio sincero da Palavra de Deus e a prática da caridade se revelam como propostas contínuas do encontro de Deus com o Seu Povo, mostrando-nos que no amor fraterno se encontra o próprio Senhor. Mas recebeis o ministério diaconal na perspectiva de, a curto prazo, serdes ordenados sacerdotes. Então, como sacramentos de Cristo, estareis no âmago do grande e mais radical encontro de Cristo com o Seu Povo e com cada crente, a Eucaristia. Ela é o lugar certo desse encontro com garantias de eternidade e, por isso, a exigência contínua da purificação da esperança. É aí que tornamos possível viver a nossa vida obedecendo à Palavra de Jesus que hoje escutámos no Evangelho: “Vigiai e orai em todo o tempo, para terdes a força que vos livra de tudo o que vai acontecer e poderdes estar firmes na presença do Filho do Homem” (Lc. 21,36).